quarta-feira, 9 de junho de 2010

Pular, pular, subir, subir...

Texto e fotos: Aline Della Torre

O Parkour é a atividade física que alimenta o corpo e a mente, mostrando outros panoramas de visão de mundo e outras possibilidades, fazendo o praticante vencer seus medos.

“É uma evolução do seu ser. O resgate do seu primitivo, pois antes nós vivíamos
na natureza e nos movimentávamos como os macacos e hoje, por causa da evolução dos carros e demais meios de transporte, somos muito limitados”, explica o analista de sistemas de 29 anos, Rodrigo Medeiros.

No Parkour não existe competição entre os participantes, não há entrega de medalhas para os melhores colocados, não há disputas nem concorrência.
E para que serve isso se não há premiação? Não se engane a premiação existe, só não é um ganho material.

Manga, como é mais conhecido, gosta de todo tipo esporte radical, principalmente do surfe. Mas desde que o
Parkour entrou na sua vida, há quatro anos, virou a sua principal atividade física. Para ele, é uma válvula de descarga
de frustrações e estresse.

Manga acha que o
Parkour ajuda a superar os medos, pois você começa a pensar diferente sobre as mais diversas situações. “Superei o medo de assalto, pois penso na possibilidade de simplesmente fugir. Correr e despistar o ladrão”.

O Parkour foi criado pelo francês David Belle, que utilizou práticas de treinamentos militares. A técnica consiste na passagem rápida e simples de obstáculos utilizando apenas o seu corpo. Se você encontrar um buraco na sua frente, ao invés de contorná-lo, pule. Se deparar com um muro, escale. É assim que Manga tem feito e é assim que provavelmente seu filho irá fazer. Ryan tem apenas dois anos, mas já esta dando seus pulos por aí, do seu jeito claro, de pulinho em pulinho. Manga às vezes leva seu filho aos treinos e ele adora.

Manga define a modalidade como uma atividade física, não considera um esporte, já que no esporte há competição e no Parkour não. “É uma atividade física pela própria atividade, e uma atividade mental pelo controle do medo e raciocínio”, explica. Aí vai uma dica dele para você entender melhor: “Parkour não é vandalismo, Parkour não tem um melhor ou pior. Vença os seus limites e evolua com o seu Parkour, divirta-se”!

“O Parkour não é apenas sair pulando ou fazer macaquices como a maioria das pessoas acha que a gente faz: ‘Olha o macaco!’. Não é. Você está treinando o corpo para deixá-lo mais resistente e mais forte. As pessoas têm que ter conhecimento de que não é só salto, é técnica”, defende Adriano de Jesus Sevilha, de 21 anos, o Acre. Ele trabalha em uma firma fornecedora de equipamentos esportivos focada em surfe. Pratica Parkour há quatros anos e meio. Conta que o que lhe chamou a atenção nessa atividade não foi só os movimentos, mas a técnica: “No caso de um tombo você sai em rolamento. Você usa técnicas para não se
machucar que absorva o impacto. Usar realmente o corpo. Usar o meu físico para praticar esporte sem nenhum tipo de avaliação”.

Praticando o Parkour Acre aprendeu muitas coisas, superou seus limites físicos por meio de muito treino, adquiriu condicionamento, mas principalmente adquiriu outra forma de pensar Ele conta que treinando Parkour a habilidade aumenta e resgata vários extintos naturais que o ser humano foi perdendo com o tempo.

No meio dos saltos e pulos há uma filosofia que os praticantes seguem. Eles treinam não só por pura aventura. Eles podem usar tanto sua habilidade para ajudar em caso de acidente como para ajudar a si próprios. Acre conta que pode ser usado para salvar uma pessoa em perigo no caso de incêndio e escalar um prédio. Se eles estiverem correndo algum risco, tem que manter a calma, usar o movimento certo e correr.

Antes de fazer qualquer movimento você analisa e por isso a concentração é importante. “Você tem uma idéia do que pode e do que você não pode. E você faz dentro do que você pode. Com o treino você ganha cada vez mais capacidade. Você vê que pode ir muito mais, sempre avançando. Eu ultrapasso todos os limites através dos meus treinos. É assim que funciona o
Parkour”, esclarece Acre.


Elas também podem

Elas também podem! Pulam, correm, saltam, rolam, escalam... Tá pensando o quê? Elas não dão moleza, não! Agora é a vez das garotas! “Achei que seria muito tenso, mas acabou sendo tranquilo. Bem, pelo menos eu me senti assim. Lembro o medo de me equilibrar num murinho menor que eu, cerca de um metro, e a tentativa de subir outro muro. É legal lembrar o primeiro treino e ver como você está hoje, é gratificante. Essa autoconfiança que acabamos tendo nos treinos é refletida no dia a dia, sua autoestima também, a sensação de ‘eu consigo’”, conta a traucense Fernanda Caroline de Lira Teixeira, a Lince, de 16 anos, ao relembrar do seu primeiro treino no Parkour.

Lince conta que a maior dificuldade de treinar Parkour para as mulheres é a força física, principalmente nos braços. Elas têm de se esforçar mais, exercitar e fazer flexão de braço para adquirir a força necessária para os treinos. “Temos que treinar bem mais que eles, ter mais disciplina e força de vontade. O lado bom é que temos mais resistência!” Apesar dessa diferença, Lince, que começou por curiosidade no Parkour, não pensa em parar: “Está no meu dia a dia agora, sempre faço alguma coisa, seja uma série de flexão, ou me equilibrar no meio-fio”. Perguntei como ela esta hoje no Parkour. Ela respondeu rindo “Melhor que ontem”. Lince diz estar sempre em evolução. “Tem sempre algo a aperfeiçoar, algum medo a ser quebrado ou objetivo alcançado”.

O limite que a traceuse quer superar no Parkour é ter um maior salto de precisão. “O meu salto de precisão é de oito pés de distância, mas tem um lugar onde precisaria de dois pés a mais para executar. Então eu começo a treinar uma série de exercícios para impulsão, impacto e fortalecimento dos membros inferiores até conseguir fazer o salto de 10 pés”, explica.

Ela classifica o Parkour como o movimento natural do ser humano. “Não vejo como um esporte. Sempre me lembra aquelas brincadeiras de crianças que fazíamos, pulando e achando caminhos alternativos. Só que neste caso, crianças crescidas. Se você parar e prestar atenção são coisas naturais que o ser humano é capaz de fazer. Geralmente, o normal de hoje é andar ou dirigir”.

A estudante treina com homens e mulheres. Ela conta que em São Paulo há bastantes garotas no Parkour. Existem as iniciantes e as que treinam há mais tempo. Ela diz que não há diferença na hora do treino. “Cada um se esforça e ajuda o outro naturalmente. Não fica aquilo de homens num canto e mulheres no outro”.

Uma das companheiras de treino de Lince é a estudante Catiele Serejo dos Santos, de 18 anos. As duas praticam o Parkour há menos de um ano e querem levar isso pra vida toda. Cat, como é conhecida, ia aos treinos por diversão mesmo, buscar adrenalina. Mas depois essa visão foi mudando. “O que me prendeu ao Parkour foi a atmosfera. Algo que não senti em nenhum outro lugar. Quando vi um cara saltando de um lugar tão alto e distante, do meu lado, assim de forma tão natural, na hora aquilo me prendeu. Eu também queria sentir aquilo, não somente a adrenalina, mais aquele sentimento indescritível de liberdade e satisfação”.

As meninas contam que a recepção nos treinos pelos homens hoje está mais amigável do que há dois anos. Segundo as garotas, eles dão muito apoio. “Às vezes, eles ficam sem saber o que fazer, já que o nosso corpo é diferente do corpo deles. Tem aquela coisa de pegar mais leve com a gente. Fico feliz das meninas estarem cada vez mais mostrando do que são capazes”, conta Lince.

As duas adoram o fato de no Parkour não haver competição, Lince diz ser algo sensato. “O ser humano sempre está em luta com o próprio ego. Para isso, ele passa por cima de outra pessoa. Sempre foi assim”, diz. Para ela, a partir do momento que a pessoa tem a ideia de que isso é para competir acaba passando dos limites, não superando, mas desrespeitando o corpo. “Você pode sofrer lesões, sérios machucados. Competição não é algo saudável”, opina a traucense.

Lince diz que algumas amigas falam que vão ficar “machinho” treinando Parkour, mas ela nem liga. As meninas são mulheres e gostam de coisas de mulheres como qualquer outra garota. “Quando não estou de tênis e moletom, estou de vestido e salto alto”, diz Cat. Ela conta que já sofreu muitos preconceitos por ser mulher e treinar Parkour. A chamam de louca, dizem que ela não irá conseguir e que vai quebrar a perna e o braço, que isso não serve para garotas. Mas a traucense não liga, sempre segue em frente. “Já falaram que eu ia parar no primeiro mês, estou quase fazendo um ano e não passou nenhuma vez em minha cabeça sobre desistir, adotei o Parkour como um estilo de vida permanente, o preconceito e desmotivação não me abalam mais”.

Lince mora em São Paulo, no bairro São Mateus, na Zona Leste. Os locais em que ela costuma treinar geralmente são parques e praças. Tem o parque da Estação Jardim São Paulo; o Parque Sampaio, na Estação Carrão e a Praça Roosevelt, na Estação República. Já sua amiga Cat mora em Osasco. Além de treinar nas praças da sua cidade, treina nos monumentos de São Paulo, como na Ladeira da Memória, no Anhangabaú. “Mas sem degradar o local, respeitar e preservá-lo sempre”, ressalta.

As famílias das garotas implicaram no começo. Sempre aquela velha história de que isso não é coisa de mulher. Cat conta que sua mãe reclamava sempre, mas agora aceita melhor. “Meu padrasto não aceita de maneira nenhuma, mesmo com conversas e tudo mais, enfim, só me param se cortarem minhas pernas e braços”.


(...)

Leia a matéria na íntegra na edição 1

Equipe RUA

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